Domésticas
Só o tempo vai dizer, mas é certo que a relação entre patroa e empregada doméstica nunca mais será a mesma. Começamos pela ruptura de contratos existentes hoje pelas dúvidas e incertezas do futuro. Pelas regras do que pode e o que deve ser feito, e até pela desconfiança do que poderá acontecer diante de uma demissão. A essência do trabalho doméstico é a relação de confiança, ela chega a ser mais importante do que a competência profissional e no momento em que essa relação fica entre uma lei complicada, vulnerável e cara, tudo é possível. Será um exercício de adaptação complexo que vai requerer um esforço incomum, principalmente quando comparamos as relações quase sempre conturbadas que já enfrentamos na pessoa jurídica. Vivemos sob a regência de uma CLT – Consolidação das Leis do Trabalho – que no dia 1º de maio agora vai completar 70 anos e durante esse tempo assistimos à inclusão de leis complementares, decretos, emendas, súmulas, orientações jurisprudenciais, precedentes normativos etc. como tentativas desesperadas de corrigir as diferenças que ocorrem pela evolução dos fatos sociais que vêm se modificando ao longo desse tempo até os nossos dias. Há mais de 20 anos lidamos com as Leis Trabalhistas, suas relações com a sociedade jurídica e os trabalhadores, e sabemos bem dos muitos problemas e impactos que padecemos pela falta de clareza e dificuldades de compreensão que toda essa parafernália de informações impõe. Os princípios interpretativos são de extrema relevância para guiar o comportamento das partes e se nem aqueles que têm o dever de aplicá-los entendem bem, imaginem a dona de casa! Temos um Estado particularmente paternalista, Sindicatos extremistas, Empresários inseguros e Trabalhadores despreparados, e nesse coquetel de divergentes, cada vez que o Legislativo opta pelo caminho mais fácil, que é o de criar Emendas Constitucionais ao invés de entrar fundo na elaboração de uma nova CLT, agrava as relações sociais e derrama sobre a mesa do Judiciário, já sufocado pela quantidade de processos, mais conflitos que terão que ser resolvidos. É ingênuo pensar que essa nova obrigação não trará custos elevados para os empregadores, que por sua vez já estão reagindo, demitindo trabalhadores inocentes e que precisam desse salário para sobreviver. Por dois meses procurei uma diarista a quem pudesse confiar minha casa, como o mercado está aquecido recebi muitos “nãos”, nessa última semana, logo após a aprovação da PEC, recebi mais de dez telefonemas de trabalhadoras domésticas oferecendo seus serviços. Muitas conseguirão se engajar, mas sem dúvidas, outras tantas estarão indo para a informalidade ou estarão optando por serviços que ainda não sofreram com a normatização de novas PECs, mas que ainda virão. Não duvidamos das boas intenções dos nossos parlamentares, mas criar leis transferindo seus ônus para a sociedade, a qual já contribui com mais de 40% dos seus rendimentos é maldade. Nesse cenário as diferenças existentes entre classes trabalhadoras são visíveis e não podemos desprezar que a equiparação do lar a uma empresa privada é um equívoco, pois enquanto a empresa contrata trabalhadores para gerar o lucro; o lar, ao contrário, tem despesas. Uma empresa tem sua estrutura preparada para controlar e avaliar seus empregados, pois ela gera receita e pode assumir determinados custos. Em sua hierarquia, no mínimo o dono da empresa está presente, gerindo o seu negócio quase todo tempo. Como fará a patroa que sai cedo para o seu trabalho? Aí o caro leitor pode responder: Igual faz hoje! Porém hoje, como a relação é quase sempre fraterna, as compensações geradas pela gentileza fazem parte do cotidiano e no momento em que tudo será marcado, começando pelo ponto, horário de trabalho, descanso para o almoço, para o lanche, horas extras, adicional noturno etc., as cobranças das partes virão com toda força, e não controlar tudo isso representa um risco que talvez poucos gostariam de correr. Acreditem, com a lei já em vigor, tudo o que vimos até então será passado. As relações conturbadas e o histórico atual de demanda judicial nas empresas não nos levam a crer que nesse caso tudo será tão diferente. Isso ainda pode ser agravado pelo desconhecimento das partes. Eu fico imaginando se a empregada, dentro do seu direito, resolver não pegar o filho da patroa na creche porque está na sua hora de descanso? Aí o caro leitor mais uma vez pode dizer: a patroa não precisa ficar com essa empregada, já que ela não atende às suas necessidades! Sim, é verdade, mas a demissão agora inclui 40% do saldo do FGTS, aviso prévio…,isso é custo, e alto. É bem possível que, para andar dentro da lei, talvez seja necessário a contratação de um Contador, pois estamos falando de: Jornada de trabalho de 8h diárias e 44h semanais, higiene, saúde e segurança no trabalho, acompanhamento e recolhimento dos acordos e convenções coletivas, adicional noturno, indenizações trabalhistas dentro da nova regra, seguro-desemprego, recolhimento do FGTS mensalmente, salário família, PIS, auxílio creche para filhos e dependentes até 5 anos de idade, seguro acidentes de trabalho etc, etc. Diante disso, só resta aguardar os fatos, mas antevejo a indústria de robôs faturando alto nos próximos anos.